O corpo como espaço e o conceito de espacialidade
Desde 2008, aproximadamente, venho utilizando a ideia “o corpo como espaço” no meu trabalho com investigação do movimento. Uma das influências para este conceito veio do contato com o conceito “o corpo como canal”, vivenciado na oficina “O corpo como canal” – oferecida pelo grupo Zecora Ura Theatre Network (Brasil e Inglaterra) em 2005 em Campinas/SP – e posteriormente em outros encontros com o mesmo grupo.
Até 2017 trabalhei a ideia do corpo como espaço, majoritariamente na forma oral, durante minhas aulas. Durante a condução de exercícios, costumo refletir sobre alguns temas, através da palavra falada, seja no momento inicial do relaxamento conduzido ou durante os exercícios no decorrer da aula. “Perceba o ar que entra e sai do corpo. O ar que está ao redor é o mesmo ar que entra durante a inspiração. Dentro do corpo ele se transforma e novamente volta ao espaço, através da expiração. O ar que sai do corpo é o mesmo ar que está no ambiente e que as outras pessoas respiram”. Falava pausada e lentamente. Posso me ouvir falando essas palavras durante os relaxamentos, tantas vezes proferidas aos participantes que, no início, deitavam, fechavam os olhos e, ao som da minha fala, percebiam a respiração, o corpo, o ambiente, lentamente transformando seu estado de percepção através do ar.
A respiração têm sido um dos elementos chaves da metodologia que desenvolvo, a Metodologia de Investigação do Movimento e Criação em Dança, desde 2002. A respiração foi também um dos elementos que originou o conceito “o corpo como espaço”. Abaixo, trecho de texto escrito em 2015 sobre “o corpo como espaço”:
“Pode-se perceber a relação entre corpo e espaço a partir da idéia de que o corpo estaria preenchendo o espaço. Mas, pode-se também, e é essa a proposta da seguinte oficina, pensar o corpo ele mesmo como espaço. O ar percorre esse espaço provocando movimento. Também se pode pensar o corpo que transita no tempo, ou também, como se propõe aqui, o próprio corpo como passagem do tempo, a partir da percepção de movimento e passagem do ar pelo corpo. Ao perceber o corpo como espaço e como tempo entra-se em contato mais íntimo com as potencialidades do movimento e do movimento criativo. É a partir dessa percepção mais íntima com si próprio que se cria uma estrutura mais plena e mais consciente para se relacionar com a realidade e sua complexidade.” Trecho da explicação da aula “O corpo como espaço e tempo através da percepção da complexidade e da respiração“, 2015.
A ideia de o corpo como espaço foi se desenvolvendo e em 2018-2019, comecei a desenvolver o conceito de espacialidade. Primeiramente concretizado em janeiro, através de palavras e desenhos e aprofundado ao longo do primeiro semestre.
“Espacialidade: o corpo enquanto espaço
Daniela Alvares Beskow
O corpo é um espaço próprio, percebido ao mesmo tempo em que relações com o espaço são estabelecidas. O espaço pode ser visto como corporificado na medida em que possui sua própria existência geométrica: o corpo do espaço. Ao se movimentar o corpo pode perceber até onde alcança, criando espaço ao seu redor. Uma analogia é possível: o corpo é visto como espaço assim como o espaço é visto como corpo. Relacionados e ao mesmo tempo, independentes. Para que eu me relacione com o espaço e os elementos que o cruzam eu preciso entender meu próprio espaço, meu corpo. Eu sou espaço. Caminhos são construídos de um dedo até um braço, de volta aos olhos, direto para os pés. Sou geometria e um mapa próprio, descoberto através do movimento.
Alguns conceitos, através de sua diversidade interpretativa, contribuem para o debate e a pesquisa sobre espacialidade: relação, ampliação, dimensão, localização, distância, lugar, referência, perspectiva, objetivo, níveis, forma, organização, rede, trama, mapa, geometria, geologia, território, percepção, ação, observação, medidas, fronteira, conflito, assertividade.
Algumas áreas de conhecimento interseccionam com o objetivo de gerar pensamentos sobre essa área: ciência política, geografia, dança, artes cênicas, histórica, arquitetura.
Espacialidade: corpo e espaço, a construção de uma ideia
1) O corpo do espaço.
Observando o espaço é possível verificar uma lógica de organização. Seja esse espaço construído por mãos humanas ou não, há princípios em estar naquele lugar, lógicas arquitetônicas.
2) O espaço do corpo.
Mover-se em torno do próprio eixo sem deslocamento no espaço permite verificar a máxima extensão de alcance. Este é o primeiro espaço onde o corpo pode mover-se e existir: um espaço onde pode mover os braços e pernas em várias posições. Este é o mínimo espaço necessário quando o corpo está acordado. É possível ver um círculo ao seu redor.
3) O espaço como corpo.
Em relação com o espaço uma experimentação ocorre: o corpo experimenta o corpo do espaço, suas formas, distâncias, configurações. O espaço é também um corpo próprio e em relação ao corpo humano.
4) O corpo como espaço.
Após explorar esses estados é iniciada a exploração do corpo entendido enquanto espaço. O corpo busca seu próprio mapa e o entendimento de si como estruturado por distâncias, formas e possibilidades. Muitos mapas são possíveis de serem traçados a partir dessa superfície multidimensional, complexidade pela noção do movimento.” Texto de julho 2019